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Trabalho escravo nos dias de hoje

Em 1995, o Brasil foi um dos primeiros a reconhecer oficialmente a existência de trabalho forçado em seu território perante a comunidade internacional.

A partir de então, o Brasil adotou a terminologia “trabalho escravo” e instituiu várias políticas públicas que tratam do crime, além de proceder um conjunto de esforços visando a sua erradicação, tornando-se referência mundial no combate a essa grave violação dos direitos humanos.

Convenção nº. 29 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil em 25/04/1957, proíbe todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, definindo-o como “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente” (art. 2°.).

A Convenção 29 proíbe expressamente determinadas formas de trabalho forçado ou obrigatório, como por exemplo, o que se faça em proveito de particulares, de companhias ou de pessoas jurídicas de caráter privado, ou o que constitua uma repressão coletiva aplicável a toda uma comunidade por delitos cometidos por quaisquer de seus membros.

O documento também prevê exceções para os trabalhos exigidos pelo serviço militar obrigatório, os trabalhos comunitários prestados à população (em virtude de condenação estipulada por sentença judicial, com a condição de que este serviço se realize sob a supervisão das autoridades), em casos de força maior, ou em pequenos afazeres realizados por membros de uma comunidade em benefício direto para ela mesma.

Trabalhadores resgatados

Segundo a OIT Brasil, desde 1995, o governo brasileiro resgatou mais de 55 mil pessoas de condições análogas à escravidão. Em 2016, a ONU lançou um artigo técnico de posicionamento sobre o tema trabalho escravo no Brasil com uma série de recomendações, entre elas a manutenção do conceito atual de “trabalho escravo”, previsto no Código Penal Brasileiro (Art. 149), e a reativação da chamada “Lista Suja”, que divulga os empregadores flagrados explorando mão de obra escrava.

Quais são os critérios para determinar que os trabalhadores estão em condições análogas à escravidão?

A expressão “trabalho forçado ou obrigatório” compreende todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.

No Brasil, o artigo 149 do Código Penal prevê a criminalização do trabalho escravo, ao estabelecer pena de 2 a 8 anos para quem praticá-lo, vejamos os critérios:

Redução a condição análoga de escravo

Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada da metade, se o crime é cometido:

I – contra criança ou adolescente;

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Tráfico de pessoas

Art. 149-A.  Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:  […]

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão; […]

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.   

§ 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se:    

I – o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las:

II – o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;

III – o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou

IV – a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.   

Trabalhar sem as mínimas condições de dignidade pode ser considerado “trabalho análogo à escravidão”?

Debate-se sobre os variados contornos que podem assumir a tipificação penal do crime de “redução à condição análoga de escravo”.

Tende-se a pensar que somente haveria trabalho escravo nos casos em que se configure a falta de liberdade. Nessa linha de raciocínio, o trabalho em “condições degradantes” não poderia ser considerado como trabalho escravo, eis que trata apenas de questões envolvendo aspectos físicos e de higiene no meio ambiente laboral.

As diferenças terminológicas e de características, no entanto, hoje, estão pacificadas, conforme previsto no art. 149 do Código Penal Brasileiro, o qual considera trabalho em condições análogas de escravo, não somente a “falta de liberdade de ir e vir”, mas também o trabalho sem as mínimas condições de dignidade.

Destaca a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana a consagração máxima do princípio da dignidade. A definição anterior de trabalho escravo, baseada na apenas na liberdade, foi modificada e ampliada, sendo seu pressuposto hoje a dignidade. Ou seja, na atual definição – que deve ser emprestada ao trabalho em que há redução do homem à condição análoga de escravo –, deve-se forçosamente ser reconhecido que não é mais a liberdade o fundamento maior que é violado, mas sim, outro, mais amplo, a dignidade da pessoa humana. O paradigma hoje, deixou de ser o “trabalho livre” passando a ser o “trabalho digno”.

Sobre o tema, destacou a BBC Brasil que operação encontrou 11 pessoas em situação de trabalho escravo em obra olímpica no Rio:

“Baratas, mofo, lixo acumulado, falta de higiene, fios desencapados, camas num espaço apertado e sem ventilação. Você dormiria num lugar desses? Foi de um alojamento assim que 11 operários da construção civil foram resgatados, em condições degradantes, consideradas similares às do trabalho escravo, num condomínio residencial em Jacarepaguá (zona oeste) que será usado na Olimpíada 2016.”

“A operação de resgate foi encerrada na última sexta-feira pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel e Combate ao Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Emprego, em conjunto com o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União.”

“O Verdant Valley Residence é de responsabilidade da construtora Living Amparo Empreendimentos Imobiliários, do grupo Cyrela. Segundo o site do empreendimento, o local será cedido ao Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio 2016 para ser usado para acomodações de mídia.”

Fonte: [https://www.bbc.com/portuguese/noticias]

Quais são as formas mais comuns de trabalho escravo na atualidade?

Todos os setores de uma sociedade são vulneráveis por igual ao trabalho forçado, que recai de maneira desproporcionada nas crianças, nas mulheres e nos homens de baixa escolaridade.

Porém, a servidão por dívidas, é a forma mais comum de escravidão moderna (Alto Al Trabajo Forzoso: OIT, 2001).

Calcula-se que 20 milhões de pessoas se vêem obrigados a trabalhar nesse regime na agricultura ou indústria. Um pequeno agricultor do interior é recrutado para trabalhar numa plantação distante de sua área de origem durante a época da colheita. O recrutador oferece ao agricultor um adiantamento em dinheiro, sendo que o agricultor concorda em pagar sua dívida trabalhando na plantação. Já trabalhando na plantação, o pequeno agricultor tem que comprar comida e outros bens no armazém da fazenda, todos com preços inflacionados. Ele ou ela endivida-se cada vez mais, e um círculo vicioso de escravidão por dívida começa.

Reter os ganhos do trabalhador pode ser considerado trabalho análogo à escravidão?

Destaca a Convenção nº. 95 da OIT, ratificada pelo Brasil em 25/04/1957, que o empregador é proibido de restringir a liberdade do trabalhador de dispor de seu salário da maneira que lhe convier (art. 6º.).

Quando em uma empresa forem instaladas lojas para vender mercadorias aos trabalhadores ou serviços a ela ligados e destinados a fazer-lhes fornecimentos, nenhuma pressão será exercida sobre os trabalhadores interessados para que eles façam uso dessas lojas ou serviços (art. 7º.  – 1)

Quando o acesso a outras lojas ou serviços não for possível, a autoridade competente tomará medidas apropriadas no sentido de obter que as mercadorias sejam fornecidas a preços justos e razoáveis, ou que as obras ou serviços estabelecidos pelo empregador não sejam explorados com fins lucrativos, mas sim no interesse dos trabalhadores (art. 7º.  – 2)

Descontos em salários não serão autorizados, senão sob condições e limites prescritos pela legislação nacional ou fixados por convenção coletiva ou sentença arbitral (art. 8 — 1).

Quais são as outras formas de trabalho escravo?

Segundo a OIT, o trabalho forçado pode assumir várias formas. Ele pode estar relacionado com o tráfico de pessoas, que cresce rapidamente no mundo todo. Pode surgir de práticas abusivas de recrutamento que levam à escravidão por dívidas; pode envolver a imposição de obrigações militares a civis; estar ligado a práticas tradicionais (culturais de um país); envolver a punição por opiniões políticas através do trabalho forçado e, em alguns casos, pode adquirir as características da escravidão e o tráfico de escravos de tempos passados.

No documento Alto Al Trabajo Forzoso (2001), se expõe algumas modalidades comuns de trabalho forçado da atualidade, são eles:

– Escravidão e o sequestro para realizar trabalho forçado, que ocorrem em alguns lugares da África. Embora tenha sido diminuído a frequência desta forma tradicional de trabalho forçado, desde que se proibiu oficialmente a escravidão, tem-se observados casos semelhantes e recentes na Mauritânia, no Sudão, no Brasil e na Libéria. No Sudão, por exemplo, calcula-se que entre 5.000 e 14.000 pessoas – a maioria mulheres e crianças, tem sido capturadas e raptadas para trabalhar desde o início do conflito étnico em 1983.

– Participação obrigatória em obras públicas, que se utiliza para impulsar o desenvolvimento nacional ou local com casos comuns no Vietnam e Camboja. Na África, as leis de alguns países, como o Quênia e Serra Leoa, por exemplo, autorizam essa forma de trabalho forcado (OIT, 2001).

Os trabalhadores domésticos em situação de trabalho forçado, que não podem deixar a casa de seus empregadores. Suas vítimas são na maioria crianças e adolescentes de zonas rurais a serviço de famílias de zonas urbanas. No Haiti, por exemplo, se calcula que aproximadamente 250.000 crianças foram vendidas ou cedidas por seus pais para trabalhar como criados (Liga contra La Esclavitud y CIOSL, 2001).

– Trabalho forçado imposto à civis por autoridades militares e afins. Em Myanmar (antiga Birmânia), o exército obriga os civis a trabalhar como auxiliares de suas próprias tarefas ou em obras de infraestrutura. Nos anos 80, se constatou esta forma de trabalho forçado também na Guatemala.

– O tráfico de pessoas das zonas rurais de países pobres para as zonas urbanas dos países desenvolvidos. Calcula-se que entre 700.000 e 4.000.000 de pessoas foram objeto de tráfico no ano de 2001 (Departamento de Estado dos EUA, 2002). Exemplo: Um jovem ou uma jovem podem ser seduzidos pela oferta de um trabalho legítimo num restaurante, clube noturno ou casa de família em uma cidade grande distante. Ingenuamente, eles concordam em viajar clandestinamente para um outro país, frequentemente pagando caro pela viagem e tendo o compromisso de pagar sua dívida com o trabalho futuro. Mas logo depois que chegam, os traficantes tomam seus passaportes e seu dinheiro e os forçam a trabalhar em empresas de fundo de quintal ou, pior, no mercado da prostituição. Os casos mais terríveis envolvem adolescentes e crianças.

– Trabalho penitenciário pode haver determinados elementos de trabalho forçado. Na China, por exemplo, as denominadas atividades antisociais (como jogos de azar) se sancionam com trabalho forçado. O programa chinês de reabilitação por trabalho forçado se aplica a 240.000 reclusos, a maioria deles, condenados a um ano de cárcere.   

Como o trabalhador pode se libertar do trabalho escravo?

Realizando denúncia aos órgãos competentes (Disque 100 – Direitos Humanos). Os resgates têm ocorrido por meio das ações da Auditoria-Fiscal do Trabalho em conjunto com o Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, de forma que o trabalhador possa se desvincular da situação de exploração à qual está ou possa estar submetido.

O trabalhador resgatado da escravidão tem direito ao seguro-desemprego?

Sim. A concessão do benéfico do Seguro-Desemprego para o trabalhador resgatado da condição análoga à de escravo tem amparo na Lei n. 10.608, de 20 de dezembro de 2002, que alterou a Lei n° 7.998, de 11 de janeiro de 1990.

Para ter direito ao benefício o trabalhador resgatado precisará comprovar: 1) haver sido dispensado sem justa causa, inclusive de forma indireta; 2) não estar recebendo nenhum benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto auxílio-acidente e pensão por morte; 3) não possuir renda própria. Precisará também o trabalhador exibir os seguintes documentos: CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social devidamente anotada pelo Auditor-Fiscal do Trabalho; ou TRCT – Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho; ou documento emitido pela Auditoria-Fiscal do Trabalho que comprove ter sido resgatado da situação análoga à de escravo; comprovante de inscrição no PIS – Programa de Integração Social.

Empregador pode sofrer expropriação de bens se constatado trabalho análogo à escravidão?

Sim. A Emenda Constitucional nº. 81/2014 alterou o art. 243 da Constituição Federal/1988, que passou a prever expropriação da terra quando constatado o trabalho escravo:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. 

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.

 Em caso de dúvidas ou problemas nas relações de trabalho, Fortunato Goulart Advocacia Trabalhista encontra-se à disposição para consultoria jurídica ou ação judicial.

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