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Médicos pejotizados e vínculo de emprego.

Segundo nossa legislação, empregador é a empresa que contrata, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (CLT, art. 2º) e, por sua vez, empregado é aquele que presta serviços não-eventuais a outrem, mediante remuneração e subordinação (CLT, art. 3º).

Em outras palavras, se o profissional contratado por meio de PJ (Pessoa jurídica) estiver inserido numa hierarquia, se submeter a ordens, penalidades ou cobranças por atrasos (fiscalização), ou, ainda, estiver inserido na própria estrutura orgânica empresarial, pode-se estar diante PJ fraudulenta.

Atribui-se a Pessoa jurídica fraudulenta a empresa constituída por imposição da contratante (um hospital, por exemplo), com o único objetivo de fraudar a lei trabalhista.

Segundo Rodrigo Fortunato Goulart, advogado trabalhista e doutor em direito, “é exatamente essa situação por que passam alguns médicos. Inseridos na atividade-fim de um hospital, sua mão-de-obra é essencial à consecução dos objetivos sociais, com isso, somente poderiam prestar seus serviços na condição de empregados, e não intermediados por falsas Pessoas jurídicas.”

Há uma coletividade de trabalhadores médicos excluídos da proteção legal porque denominados de “pessoas jurídicas” “parceiros” ou “autônomos”, embora não sejam os donos dos meios de produção e muito menos do negócio.

É possível que um profissional médico, por exemplo, em acompanhamento de paciente que o escolhera e agora esteja internado em determinado hospital, se utilize da estrutura e apoio deste para atender o seu paciente, sem que por isso mantenha vínculo de emprego. É o profissional que realiza cirurgias eletivas quando pessoalmente solicitado.

Para essas cirurgias, em que o médico usa somente a estrutura e presta serviços de forma eventual, ou seja, não-rotineira, e oferece seus serviços ao mercado, atendendo pacientes seus, não há qualquer relação de emprego.

No entanto, nas situações em que o médico não atende pacientes seus, mas os pacientes do hospital, trabalhando muitas vezes vários dias na semana, em horários predeterminados, sendo cobrado para atingir as metas de contratualizações (SUS, etc.), o que exige absoluta e completa integração na atividade-fim do hospital, em suas rotinas internas, procedimentos, administração, gestão e programação cirúrgica, pode-se estar diante de uma típica relação de emprego.

Na hipótese, o médico presta o serviço, ou seja, o atendimento do paciente, e, em face desse trabalho, recebe seu pagamento. A relação entre o médico e o Hospital, diversamente daquela que ocorre entre um médico e o paciente, não tem como cerne um bem de consumo, ou seja, um resultado esperado diante de um contrato realizado entre as partes, mas a própria execução do trabalho. O médico recebe via hospital pelo trabalho realizado, e a relação de consumo, no caso, se estabelece entre o paciente e o hospital (e não entre o paciente e o médico).

Nesse aspecto, claro está que o hospital mantém com o médico, no mínimo, uma relação de trabalho, até porque o paciente procura o hospital, e o paciente (ou a operadora do plano de saúde, ou o SUS, etc) remunera o hospital, e não o médico.

Portanto, o hospital que remunera o serviço prestado, não se identifica de qualquer forma com consumidor, mas, ao contrário, é quem explora como atividade econômica justamente o serviço prestado pelo médico, oferecendo estes misteres para seus clientes (pacientes, consumidores sim, mas em relação ao vínculo mantido com a operadora do plano de saúde ou SUS e não com o médico), e remunerando o médico pelos serviços que ele, hospital, oferece. A relação de consumo, no caso, se estabelece entre o paciente e o hospital, mantendo esta com o médico, nítida relação de emprego.

Isso pode ser reforçado ainda mais pelo fato de que, em muitos casos, quem estabelece o preço pelo serviço é o hospital, e não o médico.

Diante da fraude, o Poder Judiciário Trabalhista pode reconhecer o vínculo empregatício do médico, como nesse caso específico:

MÉDICO PLANTONISTA – VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O contexto dos autos é substancial quanto à presença de todos os elementos característicos da relação de emprego na relação de trabalho entre as partes. A pessoalidade é incontroversa na medida em que era o próprio autor quem prestava serviços como profissional médico. A possibilidade de fazer-se substituir por outro, em certas ocasiões, não exclui tal requisito na medida em que a substituição era extremamente eventual e, ainda assim, contava com a autorização da ré. O trabalho do reclamante não era eventual eis que a intenção das partes era a da habitualidade na prestação de serviços pelo reclamante, considerados essenciais para o cumprimento das finalidades institucionais do hospital, independente da frequência semanal de trabalho. O regime de sobreaviso não retira também o requisito da habitualidade na medida em o reclamante, embora não estivesse efetivamente prestando serviços, estava à disposição para atendimento de qualquer chamado de urgência. A onerosidade também existiu pois, ainda que remunerado por RPAs, o autor sempre auferiu a contraprestação econômica da prestação de serviços. Também ficou nitidamente caracterizada, pela prova testemunhal, a subordinação do reclamante aos diretores do hospital. No caso, o autor não exercia a profissão médica como autônomo pois estava evidente a característica da alteridade na relação de trabalho, em que os riscos da atividade desempenhada pelo autor eram sempre assumidos pela reclamada e, fosse o trabalho autônomo, o autor desempenharia suas funções por conta própria, assumindo isolada e integralmente as consequências do seu trabalho. Presentes os requisitos dos art.2º e 3º da CLT, reconhece-se o vínculo empregatício na função de médico plantonista (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, 5ª Turma, Autos n. 0201400-18.2009.5.03.0042, Relator: Convocado Maurilio Brasil, DJ 18/07/2011 – grifamos).

Assim, a prestação de serviços mediante empresa interposta (PJ), funciona como um biombo para escamotear a relação de emprego do médico, visando frustrar a aplicação dos seus direitos trabalhistas, furtando-se o real empregador (hospital) a arcar com ônus de seu negócio, na medida que busca, fraudulentamente, escapar do artigo 2º e 3º. da CLT.

 

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