Médico Pejotizado e Vínculo de Emprego com Hospital
Uma prática que se tornou comum nos últimos anos é o médico emitir nota fiscal por exigência do Hospital (tomador de serviços) para que este último não tenha que pagar encargos sociais sobre a folha de pagamento. Esses profissionais, na Justiça do Trabalho, são popularmente conhecidos como “Pejotizados” ou “Pejotas”. Ocorre que tal prática tem por objetivo proporcionar vantagens ao hospital, com a finalidade de mascarar a relação de emprego existente, em nítido prejuízo ao médico contratado.
Segundo nossa legislação, empregador é a empresa que contrata, assume os riscos da atividade econômica, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (CLT, art. 2º) e, por sua vez, empregado é aquele que presta serviços não eventuais a outrem, mediante salário e dependência (subordinação CLT, art. 3º).
Vale dizer, se caracterizada a hierarquia (por exemplo, através de ordens do Hospital para com o médico) ou, se configurada a inserção das atribuições do médico na estrutura dinâmica do Hospital, restará comprovado o vínculo de emprego.
Como sabido, o Tribunal Superior do Trabalho (Súmula 331/TST) fixou entendimento no sentido de que “a contratação de trabalhador por empresa interposta é ilegal, firmando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços”, como regra, excepcionando apenas o trabalho temporário e os serviços de vigilância, limpeza e conservação, “bem como a dos serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação”.
Por isso, em grande parte dos serviços prestados pelos médicos à Hospitais, está-se diante de terceirização fraudulenta.
Configurada está a relação de emprego e, portanto, o contrato de trabalho (CLT, art. 442), é autorizado a incidência de toda a legislação trabalhista e o recebimento de todos os direitos da categoria dos médicos (Intervalo de 10 minutos a cada 90 trabalhados – Lei 3.999/61, Horas Extras, Horas de Sobreaviso, Férias+1/3, 13o. salário, FGTS, Aviso Prévio, incidência das Convenções Coletivas da Categoria etc).
Importante destacar que é possível que um profissional médico, por exemplo, em acompanhamento de paciente que o escolhera e agora esteja internado no Hospital, se utilize da estrutura e apoio do mesmo para atender o seu paciente, sem que por isso mantenha vínculo de emprego.
No entanto, a relação entre o médico e o Hospital, diversamente daquela que ocorre entre um médico e o paciente, ou o cliente e seu advogado, não tem como cerne do contrato um bem de consumo, ou seja, um resultado esperado diante de uma avença realizada entre as partes, mas a própria execução do trabalho. O médico recebe diretamente do Hospital pelo trabalho realizado, não sendo o Hospital o destinatário final dos serviços executados. A relação de consumo, no caso, se estabelece entre o paciente e o Hospital (e não entre o paciente e o Médico).
Portanto, inequivocamente, o Hospital, que remunera o serviço prestado, não se identifica de qualquer forma com consumidor, mas, ao contrário, é quem explora como atividade econômica justamente o serviço prestado pelos médicos, oferecendo estes misteres para seus clientes (pacientes, consumidores sim, mas em relação ao vínculo mantido com a operadora do plano de saúde ou SUS e não com o médico), e remunerando o médico pelos serviços que ele, Hospital, oferece. A relação de consumo, no caso, se estabelece entre o paciente e o Hospital, mantendo esta com o Médico, in casu, nítida relação de emprego.
Em outras palavras, a prestação de serviços mediante empresa interposta (Pejotizado), funciona como um biombo grotesco para escamotear a relação de emprego existente, assim como para frustrar a aplicação da lei trabalhista, furtando-se o real empregador (o Hospital) a arcar com ônus de seu negócio.
O art. 12 do Código do Trabalho de Portugal (aplicado por força do art. 8º. CLT), estabelece uma presunção favorável de vínculo empregatício nessas situações:
PORTUGAL. Código do Trabalho.
Art. 12
“1 – Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
- a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
- b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
- c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
- d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
- e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)
2 – Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. (…)
4 – Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º”. (sem destaques no original).
Veja que a sistemática da Pejotização é altamente prejudicial ao médico, na medida em que suprime todos os direitos e garantias trabalhistas, principalmente aqueles previstos nas Convenções Coletivas de Trabalho da Categoria (Adicional de Insalubridade com base de cálculo mais vantajosa, Horas extras em 100%, Horas de Sobreaviso e Plantões garantidos, Férias de 45 dias, Anuênios, etc.).
Importante frisar: como direito irrenunciável que é, as normas trabalhistas incidem independentemente da vontade ou aquiescência das partes contratantes, ou seja, independentemente do contrato firmado entre o médico e o Hospital, eis que o mesmo é nulo de pleno direito, ou senão voltaríamos ao sistema trabalhista desregulamentado, no qual a “vontade do trabalhador”, viciada e premida pela necessidade de sobrevivência, admitia a exploração de trabalho infantil, jornadas extenunantes, locais de trabalho em péssimas condições de higiene, salários achatados, fraudes de toda sorte, etc.
Rodrigo Fortunato Goulart, é Advogado Trabalhista e Doutor em Direito – PUCPR
Autor do Livro “Trabalhador Autônomo e Contrato de Emprego” (Ed. Juruá, 2012)