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A ilegalidade da redução salarial para cargos de confiança – incorporação da gratificação

Algumas empresas, como forma de reduzir custos, determinam o retorno do empregado em função de confiança ao cargo de origem. O problema é que tal atitude, ocasiona, muitas vezes, violenta queda no patamar remuneratório, e, como forma de prevenir os enormes prejuízos decorrentes da atitude ilegal, a única solução cabível é uma medida judicial (tutela de urgência – antecipação dos efeitos da tutela), a fim de garantir o padrão de vida conquistado, e consequentemente, a sobrevivência do trabalhador e de sua família.

A antecipação dos efeitos da tutela é uma decisão proferida pelo Juiz assim que a ação é ajuizada, pelo perigo da demora que o processo poderá causar. Vale dizer, o trabalhador muitas vezes não pode esperar o término da ação – que pode durar, em média, de 4 a 6 anos – para receber o seu salário ilegalmente suprimido. No caso, se entender plausível o direito, o Magistrado determinará o pagamento imediato em folha, enquanto o processo tramita na Justiça.

O Poder Judiciário tem concedido, em geral, a incorporação da gratificação, mesmo após a alteração de função, com base nos princípios da irredutibilidade salarial, da condição mais benéfica, da estabilidade financeira (art. 7º., VI, CF/88, c/c Súmula 372/C.TST), e do não retrocesso social.

Como se sabe, a designação para o cargo de confiança implica nítida vantagem remuneratória para o trabalhador, já que é acoplada ao pagamento de gratificação especial corresponde ao cargo/função (art.62, II e parágrafo único, CLT, e art. 224, s 2°, CLT) – a par de outras prerrogativas que tendem a acompanhar semelhante posto na empresa.

Em contrapartida, a destituição desse cargo ou função de confiança, com o retorno ao cargo efetivo e consequente redução na remuneração, implica óbvia lesão ao interesse econômico do empregado.

A jurisprudência, como sabido, sempre buscou encontrar uma medida de equilíbrio entre a regra permissiva do parágrafo único do art. 468 da CLT (princípio da inalterabilidade dos contratos), e a necessidade de um mínimo de segurança contratual em favor do empregado alçado a cargos ou funções de confiança.

Conforme entendimento consolidado, a percepção, de gratificação, por longo período, em virtude do exercício de função de confiança, não permite que o valor correspondente seja suprimido pelo empregador.

Embora o parágrafo único do art. 468 da CLT assegure ao empregador a reversão ao cargo efetivo, isto não significa que a gratificação, e consequentemente o padrão remuneratório conquistado, possa ser eliminado, porque a vantagem pecuniária já se incorporou ao seu patrimônio jurídico, consoante pacífica jurisprudência.

Por outro lado, a incorporação já era reconhecida e consagrada pelo Direito Administrativo, na Lei 6.732/1979 e, como fonte do Direito do Trabalho, autoriza aplicação analógica, ante a lacuna na CLT, sobre a estabilidade econômica do empregado que retorna ao cargo efetivo.

Observa-se, ainda, ser indiscutível a natureza salarial da gratificação, pois, segundo art. 457, § 1º. da CLT, “§ 1º – Integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador.”

Outra não é a orientação do Supremo Tribunal Federal, na “Súmula 207: As gratificações habituais, inclusive a de natal, consideram-se tacitamente convencionadas, integrando o salário”. (g.n.).

E como já é de conhecimento, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), buscando pacificar o entendimento jurisprudencial, publicou a Súmula 372, in verbis:

SÚMULA Nº 372 DO TST. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES.

I – Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira.

II – Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação. (g.n.).

A estabilidade financeira, tratada na Súmula 372, I, do C. TST, fundamenta-se no nos artigos 5º, XXXVI, da CF, e 6º, “caput”, e § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que tutelam o direito adquirido, bem como nos artigos 468, “caput”, da CLT, e 7º, VI, da CF/88, que tratam da irredutibilidade salarial.

É certo que a CLT não dá estabilidade no exercício do cargo de confiança (art. 499). Todavia, também é certo que a lei, ao tratar da desinvestidura no cargo de confiança, não se manifesta acerca das consequências salariais em que tal medida vai importar.

Diante desta lacuna, mui respeitosamente, deverá prevalecer o princípio de que toda vantagem, principalmente pecuniária, quando oferecida habitualmente e há muitos anos, integra o patrimônio do trabalhador, não podendo deixar de ser remunerada (princípio da condição mais benéfica). Até porque a sua supressão gera inegável redução salarial, o que é vedado constitucionalmente (art. 7º., inciso VI, CF/88).

Outra questão extremamente relevante é a natureza alimentar da vantagem sumariamente suprimida. O caráter alimentar do salário deriva do papel socioeconômico que a parcela cumpre, sob a ótica do trabalhador. O salário atende, regra geral, a um universo de necessidades pessoais e essenciais do indivíduo e de sua família.

A irredutibilidade sempre foi inferida não só do princípio geral pacta sunt servanda, como também do critério normativo vedatório de alterações prejudiciais ao empregado, insculpido no art. 468 da CLT. Mais do que isso, o próprio Direito do Trabalho evoluiu na direção de emoldurar princípio específico nesta área, o da inalterabilidade contratual lesiva.

Enfim, como relatou o Des. Ricardo Sampaio: “A alteração da função é possível, mas não a da remuneração, que aderiu ao contrato como o ‘molusco à pedra’” .

Portanto, a supressão ou redução da gratificação, mesmo com a alteração do cargo é nula ipso iure, dada a natureza salarial da benesse (em verdade, salário em sentido estrito), e o princípio da irredutibilidade (art. 468, caput, CLT).

*Rodrigo Fortunato Goulart é Mestre e Doutor em Direito pela PUCPR e advogado trabalhista

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