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Empregado Público – Motivação Dispensa

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E EMPRESAS PÚBLICAS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO PARA DISPENSA DO EMPREGADO

Rodrigo Fortunato Goulart*

Muito embora o art. 173, § 1°, II, da Constituição Federal, sujeitar os entes da administração pública indireta, dentre eles as empresas públicas e as sociedades de economia mista, ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações trabalhistas, os princípios basilares da administração pública não podem ser postergados por imperativo da própria Constituição Federal.

Vale dizer, é certo que os empregados celetistas não podem ser dispensados sem a estrita observância dos princípios constitucionais previstos no caput do art. 37 da CF, que norteia toda a atividade administrativa, principalmente se considerando o fato de que o trabalhador ter sido admitido por regular concurso público.

A este respeito, recentemente, o excelso STF, ao julgar em composição plenária o recurso extraordinário nº RE-589.998/PI, decidiu com repercussão geral para “reconhecer a inaplicabilidade do art. 41 da Constituição Federal e exigir-se [sic] a necessidade de motivação para a prática legítima do ato de rescisão unilateral do contrato de trabalho; conforme se infere do trecho a seguir transcrito:

“II – Em atenção, no entanto, aos princípios da impessoalidade e isonomia, que regem a admissão por concurso público, a dispensa de empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser motivada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa.
(…) (STF. Tribunal Pleno. Autos REXT nº 589.998. Relator: MINISTRO RICARDO LEVANDOWSKI. DJ: 12/09/2013) (grifos não constam do original).

Em decorrência da observância a tais princípios é que se exige das sociedades de economia mista, por exemplo, a realização de procedimentos licitatórios e concursos públicos para admissão de trabalhadores. Pela mesma razão, se lhes impõe motivar o ato administrativo de dispensa de empregado, pois seus atos estão limitados pelos princípios da legalidade, da impessoalidade, da motivação, da moralidade, da publicidade e da eficiência, nos termos do artigo 37, caput, da Constituição Federal.

O empregado de sociedade de economia mista, por ter sido admitido por concurso público, somente pode ser demitido motivadamente, sob pena de ofensa à norma constitucional que exige concurso como pressuposto de contratação (art. 37, inc. II, CF/88). Se a Constituição exige concurso público para contratação, não se poderia admitir que a dispensa pudesse ocorrer sem motivação idônea, sob pena de abrir-se para as partes a fraude à norma constitucional.

Os contratos dos empregados públicos, mesmo não fazendo jus à estabilidade prevista no art. 41 da CF, devem-se se ater aos princípios da impessoalidade, isonomia e motivação, que regem a admissão por concurso público.

Sobre este último princípio, a motivação, é cediço que dispensa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos deve ser fundamentada, assegurando-se, assim, que tais princípios, observados no momento daquela admissão, sejam também respeitados por ocasião da dispensa.

Por isso, a motivação do ato de dispensa visa a resguardar o empregado de uma possível quebra do postulado da impessoalidade, por parte do agente estatal investido do poder de demitir.

Desse modo, objetiva-se coibir a ocorrência de abusos, a perpetração de arbitrariedades ou a concessão de privilégios por parte do empregador público, garantindo-se aos servidores em particular, e aos administrados em geral, um maior controle dos critérios de dispensa.

O paralelismo entre os procedimentos para a admissão e desligamento dos empregados públicos, está, também, indissociavelmente ligado à observância do princípio da razoabilidade. É que, aos agentes do Estado, não se veda apenas a prática de arbitrariedades, mas se impõe, também, o dever de agir com ponderação, decidir com justiça e, sobretudo, atuar com racionalidade (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 155).

Ou seja, a obrigação de motivar os atos decorre não só das razões anteriormente explicitadas, como também, e especialmente, do fato de que os agentes estatais lidam com a res publica, porquanto o capital das empresas estatais – integral, majoritária ou mesmo parcialmente – pertencem ao Estado, vale dizer, a todos os cidadãos.

No regime político que essa forma de Estado consubstancia, é preciso demonstrar não apenas que a Administração, ao agir, visou ao interesse público, mas também que agiu legal e imparcialmente (FRANÇA. Vladimir da Rocha. Estrutura e motivação do ato administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 93).

A propósito, a Lei 9.784/99, aplicada por analogia, que rege o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, agasalha esse ethos, em seu art. 50, o qual, de resto permeia toda a Carta de 1988:

“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; (…)
§ 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato”. (grifos nossos).

Também nesse sentido:

SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA DEMISSÃO DE EMPREGADO POR JUSTA CAUSA, SEM PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADE DO ATO RESILITÓRIO. Não obstante submeterem-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, consoante estatuído no art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, as sociedades de economia mista devem obediência aos princípios insculpidos no caput do art. 37 da Constituição Federal que se aplicam a órgãos da administração pública diretae indireta de todos os Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Sujeitam-se, portanto, a um regime jurídico de contornos híbridos, regendo-se, simultaneamente, por normas de Direito Administrativo e trabalhistas. Por isso, se lhes impõe fundamentar o ato administrativo de dispensa de empregado por justa causa, através da instauração de processo administrativo disciplinar volvido à apuração de falta grave, na conformidade das disposições contidas na Lei nº 9.784/99, a qual, ao tratar do processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, institui o dever de observância aos princípios da motivação, do contraditório e da ampla defesa, dentre outros. No caso dos autos, tendo o reclamado Banco do Nordeste do Brasil S/A olvidado a adoção dessa providência apuratória, tem-se por insanavelmente nulo o ato demissional ora questionado.173 § 1ºIIConstituição Federal37Constituição Federa l9.784. (TRT 7º Região- 1005005120055070011 CE 0100500-5120055070011, Relator: ANTONIO MARQUES CAVALCANTE FILHO, Data de Julgamento: 26/05/2008, TURMA 1, Data de Publicação: 02/07/2008 DOJTe 7ª Região).

É importante frisar que, no caso da motivação dos atos demissórios das estatais, não se está a falar de uma justificativa qualquer, simplesmente pro forma. Ela precisa deixar clara não apenas a sua legalidade extrínseca como a sua validade material intrínseca, sempre à luz do ordenamento legal em vigor. Nas palavras de Vieira de Andrade, “o dever formal tem de ser compreendido no contexto jurídico-constitucional em que se desenvolvem as funções da administração” (ANDRADE, José Carlos Vieira de. O dever de fundamentação expressa de actos administrativos. Coimbra: Almedina, 1992, p. 14).

A respeito da equiparação da dispensa a um ato administrativo, segue a pertinente síntese elaborada por Ney José de Freitas, em obra que trata especificamente do tema:

“O Estado empregador jamais se equipara ao empregador comum. Vale dizer: não se despe, em momento algum, da sua condição de poder público. Esse modo de observar atrai a conclusão de que o ato de despedimento do empregado público é ato administrativo, absorvendo todo o aparato normativo e doutrinário criado para envolver essa espécie de ato jurídico, sob pena de desacato à lógica e, o que é mais grave, não oferecendo ao ato de despedimento uma qualificação jurídica adequada, o que não se compadece com a visão sistemática do Direito” (FREITAS, Ney José de. Dispensa do empregado público & o princípio da motivação. 1ª ed. (ano 2002), 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2004. p. 160). (sem grifos no original).

Destarte, não há como alegar, data vênia entendimento contrário, que a dispensa praticada prescindiria de motivação, visto configurar ato inteiramente discricionário e não vinculado, havendo por parte da empresa plena liberdade de escolha quanto ao seu conteúdo, destinatário, modo de realização e, ainda, à sua conveniência e oportunidade.

Nesse sentido é o magistério de França:

“a natureza vinculada ou discricionária do ato administrativo é irrelevante para a obrigatoriedade da motivação da decisão. O que configura a exigibilidade ou não da motivação no caso concreto não é a discussão sobre o espaço para o emprego de um juízo de oportunidade pela Administração. (…) O que determina o dever de motivação do ato administrativo é, mais precisamente, o conteúdo da decisão e os valores que ela envolve.” (FREITAS, Ney José de. Dispensa do empregado público & o princípio da motivação. 1ª ed. (ano 2002), 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2004. p. 120)

O entendimento ora exposto, decorre da aplicação, à espécie, dos princípios abrigados no art. 37 da Carta Magna, notadamente os relativos à impessoalidade e isonomia, cujo escopo é evitar, quer o favorecimento, quer a perseguição de empregados públicos, seja em sua contratação, seja em seu desligamento.

Tendo em vista que, para o ingresso do empregado público é exigida a aprovação em concurso público como corolário do princípio da impessoalidade, em nome desse mesmo princípio, a dispensa dos empregados dessas empresas estatais também deve ser motivada.

Nisso reside a obrigatoriedade de motivação do ato de dispensa. Em outras palavras, a demissão do empregado das empresas estatais precisa ser fundamentada e justificada, sejam quais forem as razões para o rompimento do vínculo trabalhista.

A motivação é imprescindível, porque o princípio da finalidade ordena todos os comportamentos da administração pública indireta, e não há como se verificar e se controlar a finalidade se não houver a motivação.

A finalidade vem implicitamente nesses princípios da administração, expressos no artigo 37/CF. Porque, se não souber qual é a finalidade nem o motivo, não há como fazer o controle para saber se houve a discriminação.

Tal entendimento já vinha há muito sendo adotado pelo E.TRT da 9ª Região (PR), conforme Súmula n. 3, de seguinte redação:

“Administração indireta (empresas públicas e sociedades de economia mista) subordina-se às normas de direito público (art. 37, da CF/88), vinculada à motivação da dispensa de empregado público.” (grifos nossos).

É evidente que a motivação exige que o administrador fundamente quais as razões do ato demissional, o que não é suprido pela mera remissão à lei, já que seu texto é naturalmente abstrato, sem abordar a situação concreta.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, para o qual recai sobre as empresas estatais o dever de bem guardar um interesse que não lhes pertence, mas, ao revés, a toda coletividade, transcrevemos a lição seguir:

“Assim como não é livre a admissão de pessoal, também não se pode admitir que os dirigentes tenham o poder de desligar seus empregados com a mesma liberdade com que o faria o dirigente de uma empresa particular. É preciso que haja uma razão prestante para fazê-lo, não se admitindo caprichos pessoais, vinganças ou quaisquer decisões movidas por mero subjetivismo e, muito menos, por sectarismo político ou partidário.
…)
Logo, para despedir um empregado é preciso que tenha havido um processo regular, com direito à defesa, para apuração da falta cometida ou de sua inadequação às atividades que lhe concernem. Desligamento efetuado fora das condições indicadas é nulo
(…)
O empregado, se necessário, recorrerá às vias judiciais trabalhistas, devendo-lhe ser reconhecido o direito à reintegração, e não meramente à compensação indenizatória por despedida injusta.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 220-221, grifamos).

E arremata o autor afirmando que (…) “nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismos nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição” (Ob. Cit., passim).

E, por fim, para que possa produzir efeitos extra muros do Órgão do qual emanou sua iniciativa, a resilição do contrato – como qualquer ato administrativo – deve ser publicada no órgão oficial, na medida em que a publicidade, além de princípio constitucional da administração pública (art. 37, caput, da CF/88), é requisito de eficácia do ato.

*Rodrigo Fortunato Goulart é advogado trabalhista e Doutor em Direito (PUC-PR)

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